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Braço do Norte,14/03/2025

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Filipe De Castro

Pra que serve um homem?


Pra que serve um homem?

Bem sabemos que isto que chamamos de homem e mulher são papéis de gênero, encenação de um teatro que antecede o nosso nascimento. Mas também há nisso tudo fantasias inconscientes que tomam corpo e espaço ao longo do tempo. Muito já se foi falado e provado que os sexos, as diferenças sexuais, nada mais são que constructos históricos e performance. Então, se interrogar "Para que Serve um Homem?" é se perguntar sobre o status das atuais masculinidades.

A psicanálise nos oferece uma lente singular para examinar essa questão. O que define o homem, na psicanálise, não é um conjunto estável de características ou qualidades, mas a forma como ele se posiciona em relação ao desejo e à falta. Desde Freud, sabemos que a constituição do sujeito – seja ele homem ou mulher – está atrelada à relação com o outro e ao jogo de identificações que ele estabelece ao longo da vida. Portanto, perguntar para que serve um homem é perguntar o que ele representa para a cultura, para as relações e, sobretudo, para ele mesmo.

Na modernidade, o lugar do homem foi associado a papéis que evocam poder, autoridade e controle. Ele deveria ser o provedor, o racional, aquele que suprime suas emoções para se mostrar forte. Porém, à medida que essas narrativas de poder são questionadas, surge uma crise nas masculinidades. A psicanálise, com sua abordagem da castração simbólica, indica que o homem não é essa figura de poder absoluto, mas sim alguém que, como todos os sujeitos, está marcado pela falta, pela incapacidade de preencher completamente o desejo do Outro.

Lacan nos ensina que o desejo é sempre o desejo do Outro. O homem se constitui, portanto, na relação com o desejo que lhe é imputado, mas que jamais pode satisfazer plenamente. Isso gera angústia, frustração, e muitas vezes o homem recorre a fantasias de completude, seja através do poder, do dinheiro ou das conquistas amorosas. Mas essas fantasias, como bem sabemos, são ilusórias. O homem não é pleno; ele é, no fundo, um ser marcado pela incompletude, que busca continuamente preencher algo que não pode ser preenchido.

A pergunta "Para que serve um homem?" pode ser vista também como uma interrogação sobre o papel da masculinidade no mundo contemporâneo. A tradicional figura do "homem forte", incapaz de expressar vulnerabilidade, está se esvaindo. Muitos homens se veem confrontados com novas exigências – ser mais sensível, mais aberto, mais participativo – mas sem modelos claros para guiar essa transição. Eles são, em muitos sentidos, prisioneiros de um ideal de masculinidade que já não se sustenta, mas do qual é difícil se libertar.

A psicanálise oferece uma possibilidade de pensar essa transição. Freud já afirmava que, na busca pela identidade, homens e mulheres se debatem com a incompletude, com o fato de que não há uma resposta única ou satisfatória para "o que é ser homem?". Lacan aprofunda isso ao destacar que o "falo" não é um atributo exclusivo do homem, mas um significante de poder que atravessa tanto homens quanto mulheres. Logo, a masculinidade não é uma posse natural, mas uma construção simbólica, uma tentativa de organizar o desejo.

Dessa forma, o homem serve, antes de tudo, para encenar essa tentativa – fracassada, como todas as tentativas humanas – de encontrar sentido e preencher o vazio existencial que nos habita. No entanto, a diferença crucial é como ele lida com esse fracasso. Aceitar a própria falta, a própria vulnerabilidade, é talvez o passo mais importante para a transformação das masculinidades. Não se trata mais de servir à imagem do provedor ou do forte, mas de assumir uma posição de abertura, em que a fragilidade e a falibilidade possam coexistir com a ideia de ser homem.

Quando perguntamos para que serve um homem, talvez devêssemos reformular a questão: para que ele quer servir? Se a resposta for à manutenção de velhos ideais de controle e poder, isso só perpetua a crise das masculinidades. No entanto, se a resposta for à sua própria busca por autocompreensão e reinvenção, talvez estejamos diante de uma possibilidade de mudança. O homem, assim como a mulher, precisa se reconhecer na própria falta, naquilo que lhe escapa, e, a partir disso, reinventar-se.

Na clínica psicanalítica, vemos homens que se confrontam com essa crise. Muitas vezes, eles chegam em busca de respostas sobre o que significa ser homem. O que se revela, no entanto, é que essa resposta não existe de forma fixa. O homem, como sujeito do desejo, está condenado à busca, ao questionamento. E é nessa busca que ele pode encontrar, não uma resposta definitiva, mas uma nova maneira de ser, mais leve, mais autêntica, menos atrelada às amarras do passado.

Portanto, para que serve um homem? Talvez para se reinventar, para experimentar novas formas de masculinidade, e, finalmente, para aceitar que o verdadeiro valor de ser homem – assim como de ser mulher – não reside na perfeição ou no poder, mas na possibilidade de ser incompleto, vulnerável e humano.




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